Depois de um período de luto voltamos com nossas publicações.
A de hoje também retrata o abandono e a posterior destruição, não de um patrimônio da humanidade, mas sim do passado industrial da cidade do Rio de Janeiro, arrasado por administrações desastradas e desastrosas, que transformaram a outrora zona industrial da cidade num cadáver insepulto, de fábricas fechadas, propriedades invadidas, favelização e decadência urbana, que sub-utiliza uma enorme área da cidade com toda a infra-estrutura já instalada e consolidada.
A CCPL é uma realização Estado Novista, onde um antigo sistema cartelizado e nas mãos de poucos agentes, que entregavam ao carioca um produto caro e de qualidade inferior levou o governo Varguista a intervir no sistema de distribuição. Ernani Amaral Peixoto, interventor do Estado Rio foi também nomeado em 1940 como chefe da CEL (Comissão Executiva do Leite) que visava estimular a produção descentralizada e cooperativada, não só na produção do insumo innatura como também agir na industrialização, via pasteurização e na posterior distribuição dos produtos lácteos.
A CEL dentro do papel centralizador, de um governo totalitarista, também tinha a incumbência de fixar os preços máximos dos derivados de leite, bem como estimular a taxa de retorno dos agentes da pirâmide produtiva.
A CEL como imaginado pela sua estrutura embora tenha minorado os problemas, não os resolveu, e em 1946, logo após a queda do regime totalitarista de Vargas a crise do leite voltou com toda a força, causando desabastecimento e a inflação dos derivados. No mesmo ano a CEL foi extinta no Governo Dutra e seus ativos foram transferidos pera a nova Cooperativa Central dos Produtores de Leite Ltda. (CCPL), e dentro desses ativos estava o entreposto central do Rio de Janeiro, em construção já há alguns anos, localizado em Benfica, entre dois ramais da linha férrea (Rio de Ouro e Auxiliar) e o entroncamento da Av. Suburbana com a Av. Leopoldo Bulhões, ponto extremamente estratégico, a construção do Viaduto de Benfica no EGB, fazendo parte da Radial Noroeste, reforçavam a importância geográfica da localização.
A futura usina teria a capacidade de processar 500 mil litros de leite dia e seu término consumiu mais 9 anos, só sendo inaugura em 1955, sendo uma das maiores plantas de beneficiamento de leite das américas, tendo um começo difícil e só engrenando a produção nos anos 60, sua moderna planta garantiu a regularização do abastecimento não só da Cidade do Rio nos períodos da entre-safra.
Uma das razões do sucesso da CCPL foi sua rede de distribuição pulverizada por centenas de transportadores agregados e autônomos que garantia uma penetração profunda na cidade do Rio bem como em municípios do Estado do Rio e até mesmos fronteiriços do Estado de São Paulo, por meio da Via Dutra. Além disso a CCPL criou um eficiente departamento de marketing e vendas que fidelizaram o setor de varejo. A inovação do processo industrial também foi marca, pelo pionerismo do uso das embalagens “longa vida” e leites saborizados em baunilha e morango, além do achocolatado. A central de distribuição ocupava uma enorme área com galpões e monta-cargas, na nossa foto aparecendo já modernizada após a construção do Viaduto de Benfica na esquerda da imagem.
Mas os anos 90 começaram a ser duros para a CCPL, depois da bonanza que chegou até o final dos anos 80, onde a usina em alguns dias industrializava um milhão de litros de leite. Curiosamente esse período significou o deblaque de quase todas as grandes indústrias da zona suburbana da cidade( Cortume, Standard , General Electric ), crises econômicas, politicas fazendária e tributária equivocada, greves repetidas, falta de investimento público e infra-estrutura e notadamente a galopante favelização da região, que avançava inicialmente por terrenos públicos abandonados, a violência detonaram um processo perverso de desindustrialização e uma enorme área da cidade, agravando ainda mais o problema social e gerando mais favelização.
A usina da CCPL, localizada entre o Parque Arará e o Jacarezinho (áreas largadas pela RFSA que seriam destinadas para a construção de grandes hubs ferroviários, nunca executados) acabou ficando no meio deu ma região conflagrada, bem na ponta da famosa “faixa de gaza”, apelido dentro do bom humor carioca (em extinção), para uma região conflagrada, onde as fábricas fechavam e as antigas vilas operárias criadas no Estado Novo pelos IAPs e no EGB pela COHAB eram tragadas para as fevelas, muitas vezes sendo totalmente fagocitadas e excluídas do tecido formal da cidade e entregues ao estado paralelo do tráfico e a posteriore também das milícias.
Com a quebra da fábrica os distribuidores se organizaram e conseguiram a se manter nas instalações da fábrica, parecia que até seria possível num futuro um retorno de alguma produção, como inclusive os distribuidores fizeram, “contrabandeando” empregados da Vigor dentro de seus caminhões para dentro da CCPL para o processar o leite que já estava nos tanques da usina. Mas no meio dos anos 90 a fábrica foi invadida, o que criou momentos de tensão entre os distribuidores e os invasores, que foram lá mantidos, e não expulsos pelo poder público que nessa época sempre se mantinha omisso, quiçá conivente com a ruína da cidade. a Solução foi a construção de um muro por baixo do viaduto de Benfica, isolando os galpões de distribuição da fábrica em sí. Arranjo esse que se manteve até a demolição das ruínas da planta industrial e a construção de um conjunto habitacional de um lado e também a demolição da velha central de distribuição, que embora operando estava em estado precário. Estando esse local hoje abandonado e certamente pronto para mais uma invasão.
André. Você disse tudo o que eu penso no que foi o Rio de antes e o Rio de agora.
Quando falo isso, os mais jovens que não viveram nessa época não acreditam, e os que viveram, naturalmente esqueceram, fruto não somente do bom e velho ditado de que “brasileiro não tem memória”, ou porque a sociedade brasileira, especialmente a carioca, está em total queda livre de esvaziamento intelectual.
O Rio de Janeiro já teve parque industrial sim senhor, não deixando nada a dever a São Paulo.
Há que se lembra que muitas coisas produzíamos aqui e abastecíamos muitos lugares, sem precisar ir da assim conhecida “estranha cidade do sudeste” e pedir alguma coisa.
Quem mais lucrou com tudo isso foi SP.
O RJ, a partir de 1983 para cá só gerou criminalidade, favelização, e cada vez mais índice baixíssimo de educação, para não falarmos em saúde pública também.
Essa área eu conheci.
Havia aí além da CCPL, próximo a ela, no mesmo lado havia a Gilletti, a Redley, acredito que a Cantão, e o 1º Depósito de Suprimentos do Exército pelo qual passei.
Do outro lado havia uma enorme Instalação da Light se não me falha da memória.
Ah sim! Mais adiante, ainda havia o Laboratório da Marinha.
Hoje, onde a CCPL estava virou cortiço. O 1º Depósito de Suprimentos virou PAC que também nada mais é do que cortiços. A Light virou cortiço, somando a um antigo cortiço da CEHAB e as favelas da região.
Essa é a Triagem, esse é o RJ, e esse é o Brasil.
A Gillette está vazia e abandonada, mas não foi invadida. Já o laboratório da MB continua no mesmo local.
Wolfgang, quase em frente a Gillete tinha a fábrica de Sofá Cama Drago. Eu comecei a trabalhar na Gillette em 1963.
E ainda esqueci de dizer que havia da RFFSA. A KIBOM e o IBGE, e perto desses, a Leite de Rosas na mesma rua onde um famigerado sindicato em 1964 aquartelou dos marinheiros revoltosos fazendo gerar do famigerado e ainda vivo Cabo Anselmo.
Tudo o que o Wolfgang escreveu está correto. A esquerda brasileira agiu sorrateira e insidiosamente para conseguir o seu objetivo e o resultado está aí. Eu tenho uma foto colorida e com uma amplitude que atinge a baía de Guanabara desse viaduto e seu entorno. A data é 1970 e é impressionante a ausência de favelas. O lugar era habitado por pessoas da classe mais modesta mas decente. De 85 para cá as coisas desandaram de tal forma que só com o auxílio da alta espiritualidade o Brasil voltará a ter paz, ainda que cicatrizes. Em pouco mais de 30 anos conseguiram inverter os valores morais até então vigentes neste país. Elementos da esquerda devidamente doutrinados conseguem se infiltrar em blogs de memória para tentar desqualificar “pessoas e conceitos”, como se possuíssem “alguma bagagem cultural para tal”. Infelizmente o país está perdendo como “politicamente correto” e enquanto continuarem a se utilizar de eufemismos para mascarar verdades e fatos, as coisas irão de mal a pior. “Vermelho sempre será vermelho”, ” cavalo sempre será cavalo”, “corça será sempre corça”, e verdade será sempre verdade. Fora da verdade não haverá solução.
Esta região era a principal região industrial do RJ, nela estavam instaladas pelo menos 9 entre as 10 maiores industrias do RJ, além das já mencionadas, os laboratórios Glaxo, Smith Klein, G.E., IBM, Cisper, Franco Brasileira, Company, Parafusos Águia, Suisso Brasileira, subindo um pouco mais pela Suburbana, Torrington, Montana, e centenas de pequenas e médias industrias que eram fornecedoras destas grandes empresas. Certa vez fizemos um levantamento junto ao IBGE e apuramos que cerca de 2.000 empresas encerraram suas atividades, mudaram de bairro ou estado, nesta região compreendida de Benfica até Cascadura.
A Coca-Cola também tinha um depósito grande nesta região. Tudo foi pro brejo. E por onde andava o Poder Público?
Ajudando a destruir a cidade..
André Decourt, se quiser eu mando a foto colorida dessa região em 1970.
quero sim!
André. Corrija-me se eu estiver errado, por favor.
Certa vez ouvi dizer de que era projeto do Lacerda transformar essa área aí em um dos maiores polos industriais do Brasil, alcançando vários bairros das proximidades como o Jacaré, até a Suburbana, e foi daí que criaram o assim conhecido “buraco do Lacerda”.
Isso procede?
O que seria daqueles edifícios de habitação a lá IPSA ou IAPI do outro lado da rua, oposto aonde ficava a SUIPA?
Sim, é só ver o investimento no sistema viário e de saneamento que foi feito no subúrbio da Leopoldina durante os dois primeiros governos do EGB
Texto de grande rigor histórico com argumentação brilhantemente fundamentada! Se me permite, André, acrescento: A decadência de toda essa região industrial, dos Bairros de Benfica e São Cristóvão, arrastou para o limo o Clube Vasco da Gama, cuja sede se situa essa área da Cidade. São Januário, o estádio do C.R. Vasco da Gama está rodeado de favelas e esqueletos de fábricas abandonadas. Uma lástima!
Claro, a vida social do CRVG foi destruída por esta condição
Tudo já foi dito sobre esse assunto,aliás brilhantemente esclarecido pelo Decourt e nossos comentaristas.
Ressalto apenas qu o nosso estado foi sempre alvo de prefeitos , governadores e presidentes propensos a acabarem com a nossa liderança intelectual ,financeira e poliitica,
Politicos paulistas e mineiros sempre invejaram o Rio por ter sido a capital da república e depois uma cidade estado poderosa e influente e não cansaram de tentar nos destruir,fato que depois de muitos anos parecem ter conseguido.Posso estar enganado mas jamais nos recuperaremos.
No início dos anos 60 a região efetivamente prosperou. Triagem era um importante entroncamento ferroviário com intenso movimento de trens de carga e de passageiros e por conseguinte Benfica e Jacarezinho foram beneficiados com isso. Em 1964 toda a região de Maria da Graça, Del Castilho, Inhaúma Irajá, Penha, etc, passou a ser servida pelos Trolley-bus, sem contar que desde 1963 a Leopoldina “alugou” o leito da E.F. Rio D´Ouro para seus trens “mineiros”, já que o trecho da serra de Petrópolis seria efetivamente desativado naquele ano. Com isso o trecho entre Triagem e Pavuna tinha um tráfego ferroviário incomum. Daí uma das razões pelas quais as indústrias escolheram essa região. Nessa época {1966}, meu pai tinha como “bico” uma representação do “óleo Castrol” que o fazia percorrer toda essa região, muitas vezes me levando com ele. Eram muitas indústrias para as quais ele vendia. Essa também foi uma das razões que me fizeram conhecer os grande parte dos subúrbios da Guanabara. Não havia qualquer problema de violência ou “áreas de risco”, já que “cada um conhecia o seu lugar”. Mais uma vez e de forma recorrente vou repetir: O caos em que vivemos é parte do projeto da esquerda comunista que LAMENTAVELMENTE escapou de um “destino merecido” para destruir o Brasil. Grande parte dos que comentam “neste sítio” sentem a diferença. Tanto aqui como o SDR deixaram de ser blogs onde se comentavam apenas assuntos como “a “qualidade dos docinhos”, o número de ” cafeterias”, “se o padre usava ceroulas”, ou até servirem de plataformas para “bravatas e feitos pessoais” de “Dom Quixotes” de araque” em idade mais do que provecta, para também discutir o futuro do país e debater também os rumos da política, não dando margem a condutas e teorias que só estão destruindo o Brasil. FF . André Decourt, me passa o e-mail para que eu possa enviar a foto.
Desconhecia a referencia da CCPL como explicitado no texto e é interessante a história,pois ela também atuou no ES,especialmente em Vix.Também a citada Vigor.São impressionantes os relatos e seus desdobramentos especialmente se englobados uma parte industrial da cidade.Em tempo: gostei dos “docinhos”,”cafeterias””batinas do padre” e “Dom Quixote ” de araque.KKKKK
Pegando, com meu pai, Cid Gonçalves de Oliveira, o trem, na estação da Cascadura, para nos dirigirmos à Central, geralmente para consultas no Hospital dos Servidores, como sempre, atabalhoado de gente, era essa a década de 60, pessoas se apiedavam e me davam um lugar à janela. Eram meus 6 ou 7 anos de idade, 1963-1964. E eu conferia, passo a passo, a paisagem pela janela dos vagões modelo 1930. E uma das que mais me extasiava era a fileira de litros de leite, daqueles ainda de vidro, os mais gordinhos ou mais compridões, e eu a pedir a minha mãe que me deixasse lamber o selo metálico que lhes servia de tampa ou, com uma colher, colher o filete de nata que se acumulava próximo ao gargalo. Uma fileira imensa de garrafas de vidro, que desciam enfileiradas, denunciavam que eu mesmo via era a Usina da Cooperativa Central de Produtores de Leite. Lavadas, encharcadas de água, que festa para uma criança de minha idade. Acontecimento parecido era na “fábrica” da Coca-Cola, ali pelas cercanias do Morro do Alemão. Esta eu avistava do ônibus, condução preferida de minha mãe, enquanto o velho preferia mesmo o trem.
Sou cuidadora hj trabalho com antigo funcionário da ccpl fico ouvindo as histórias dele e me emociono muito ele ganhou várias medalhas da ccpl e impediu a empresa de grandes assaltos Hélcio leal o nome dele e uma pessoa espetacular amo demais ?
Papo reto!