O Canto do Cisne, mais um capítulo da morte de uma cidade

O texto de hoje era para ter saído ontem, terça feira, mas por motivos profissionais não pude finalizá-lo, sendo a notícia já batida, mas que não pode ser dispensada.
Foi anunciado que o centenário Jornal do Brasil não será mais um jornal, apenas uma página na internet, que o sepulta de vez, encerrando a crise que vem acompanhando o que já foi um dos melhores jornais do país desde os anos 90, quando começou a sofrer um processo de esvaziamento, financeiro e intelectual.
O trauma da perda do JB supera sem dúvida a perda do Correio da Manhã, destruído pela sórdida ditadura de 1964. Foi com esse periódico que algumas gerações aprenderam a ler “imprensa” a ter o saudável hábito de amanhecer lendo um jornal e que revelou e manteve em seus quadros jornalistas e colaboradores de primeiro time como Castelinho, Zózimo, Ruy Castro, Zuenir Ventura etc….. Foi com esse jornal que nos anos 80 por uma série publicada no antigo caderno “cidade”  que comecei a me interessar pelo Rio Antigo de verdade e pesquisar os lugares mostrados em fotos de Malta.
Sabemos que o jornal há muito era apenas um Holandês Voador, singrando e assustando os incautos que ainda conseguiam vê-lo dependurado em poucas bancas de jornais da cidade. Culpa da má administração, que forçou sua venda, afogado em dívidas, ao Sr. Tanúre, um necrófilo especializado em comer carcaças putrefatas de órgãos de imprensa até o último verme. Mas também há o fortíssimo componente do esvaziamento do Rio de Janeiro, antes econômico e cada vez mais cultural e social. O carioca emburrece a olhos vistos, se entrega ao fanatismo religioso das seitas neo-pentecostais, houve músicas cada vez piores e digere informação da pior qualidade.
Culpa de setores da imprensa, que vem há anos, alinhados com o pior da mídia bandeirante, emburrecendo e fomentando isso no povo. A pauta editorial do telejornal vespertino da líder de audiência é simplesmente aterradora, de mal gosto, num pérfido e idiotizante oba-oba dito como o supra-sumo de carioquismo…….
Se quando o CM nos abandonou a cidade ainda respirava, com outros fortes veículos de mídia impressa, uma bolsa de valores, indústrias, agências de publicidade, um forte setor bancário e muitos serviços, hoje o quadro é muito pior. Só ficamos com um jornal de peso. O Dia é apenas um jornal alinhado com o telejornal que mencionei acima e o resto são migalhas de jornalismo, com assuntos apresentados de forma rasteira em letras grandes e muito espaço entre as linhas.
JK, Geisel, Brizola, Garotinhos e outros personagens vivos e mortos que tanto contribuíram para o triste ciclo de decadência desta cidade devem estar satisfeitos, mais um órgão de imprensa que lhes poderia ser crítico e o pior, formar cidadãos críticos se vai, agonizando mais alguns anos no cyber-espaço até desaparecer de vez.
Nada mais restará do jornal que em 1906 ergueu sua sede no melhor endereço da cidade, com o maior prédio da América do Sul, que construiu uma nova casa na Av. Brasil com um prédio premiado que tinha materiais de gabarito como esquadrias italianas, prédio esse que foi saqueado sob as barbas da polícia do Sr. ou Sra. Garotinho, e que hoje é reconstruído torrando nosso dinheiro para abrigar uma unidade de saúde num dos lugares menos adequados para um hospital de ortopedia em nossa cidade.
Enfim, vemos o canto do cisne de um dos mais importantes jornais do país, junto com o desabar de mais um pilar de nossa cidade.

19 comentários em “O Canto do Cisne, mais um capítulo da morte de uma cidade”

  1. André,
    clap! clap! clap! clap!! texto maravilhoso!!
    cresci com meu pai me ensinando a ler o JB.
    aprendir a gostar de ler também com a ajuda do jornal!
    é uma tristeza ver um “dinossauro” cai assim!

  2. Triste de nós que ficaremos com as migalhas da federação. Mas antes isso do que o JB cair na mão dos bispos da universal. Soube que foi oferecido a Edir Macedo, e ele só não topou porque alegou que não tinha numero de leitores para investimento.
    A imprensa digital é certamente o futuro do jornalismo, acho que é sem saída para os demais periódicos, mera questão de tempo.
    Quanto ao emburrecimento da nossa cidade, isso sim é muito lamentável. Acho que o pessoal nem lê a versão digital.

  3. ouve e não houve
    mau gosto e não mal gosto
    ***
    Ademais, triste. Era o meu jornal favorito aqui no Rio

    1. Luís Guilherme, agradeço a sua substituição pelo do corretor ortográfico, que aliás não uso para elaborar esses textos feitos entre N compromissos. Quando der conserto, se não der vai ficar assim mesmo, abraços

  4. Sofri muito com a decadência deste jornal que era o meu preferido desde a década de 70.
    Simplesmente fiquei sem jornal para ler (ainda teimo em lê-lo na internet… mas não tem quase mais conteúdo). Não leio o nossa Pravda carioca, que é um monopólio agora, nem jornal paulista porque, afinal das contas, ainda sou carioca.
    Concordo inteiramente com seu texto… é isso aí, Correio da Manhã e o JB incomodaram muita gente…

  5. Uma tristeza só. Acrescento aos colunistas citados João Saldanha, Armando Nogueira e Sandro Moreira na área de esportes.
    Leio o JB desde os tempos em que os anúncios para “domésticas” era publicado na primeira página.
    Era o meu jornal favorito, junto com o Correio da Manhã, nos anos de chumbo. Suas páginas eram antológicas, na ocasião.
    Devo ser um dos poucos assinantes que se mantêm fiéis ao JB.
    Vai fazer muita, mas muita falta.
    O que ler agora?

  6. Excelente texto.
    “(…) Mas também há o fortíssimo componente do esvaziamento do Rio de Janeiro, antes econômico e cada vez mais cultural e social. O carioca emburrece a olhos vistos, se entrega ao fanatismo religioso das seitas neo-pentecostais, houve músicas cada vez piores e digere informação da pior qualidade.
    Culpa de setores da imprensa, que vem há anos, alinhados com o pior da mídia bandeirante, emburrecendo e fomentando isso no povo.”.
    Ótimo isto. Mas é a imprensa carioca que faz questão, chegando a um clímax inacreditável, de acabar com a imagem do Rio. Nunca entendi isto. Bastamos tomar como exemplo quando o PCC “parou” São Paulo. Se fosse no Rio, a imprensa carioca (le-se organizações Globo) fariam um escarcéu por um tempo indeterminado e até hoje isto seria assunto. Aqui ninguém fala mais sobre este assunto, nem a população ou a própria imprensa. Aqui em SP até hoje falam daquele arrastão que houve há um tempão no Arpoador e que a Globo fez questão de chegar à exaustão exibindo em seus telejornais. É impressionante como falam de um assunto antigo e já enterrado por nós.
    As seitas neo pentecostais, não são privilégio único e exclusivo do Rio, aqui em São Paulo é impressionante como estão espalhadas sob diversos nomes, títulos e denominações. Chega-se ao cúmulo de existerem 3 ou 4 no mesmo quarteirão. E arrebanhando cada vez mais “fiéis” que se entregam ao fanatismo e às aberrações propagadas pelos mercadores da fé. A Casa da Moeda da Fé aqui é fortíssima.
    Quanto às músicas, mais especificamente o funk, criou-se um endeusamento da bandidagem, da vagabundagem, da exploração da mulher como um objeto de cama. Por culpa da babaquice do politicamente correto, não se pode falar mal de nada que corre-se o risco de ter seu nome no forum sob um processo de calúnia, difamação ou danos morais.
    Como carioca, longe do Rio, vejo e ouço comentários a respeito da nossa querida cidade que me entristessem e me deixam irritado, por algumas vezes.
    Uma conjunção de ftores fizeram do Rio o Judas. O resultado das eleições, onde subiram ao poder Brizola (que já foi tarde), a familia Garotinho, que nunca devia ter saido de Campos, Sergio Cabral, Cesar Maia… a imprensa carioca, a fama de malandro do carioca, que não quer nada com o trabalho, etc.
    Cabe ao verdadeiro carioca da gema, ou aquele que ama o Rio, reverter esta situação senão o Rio continuará sendo alvo de chacota e preconceito como vem sendo ha muito tempo.
    😀

  7. André, seu post fez até os mortos se levantarem das tumbas… Só faço uma correção, se você me permite. Acho que o JB foi muito ligado ao Brizola, visto que foi o veículo de comunicação de denunciou o escândalo Proconsult/Globo. Acho até que isso foi o começo do fim do jornal, pois bater de frente com a Globo não é muito saudável. Brizola, Garotinho(s) e Macedo que o digam (apesar de todos juntos não valerem meio centavo).

  8. É realmente uma pena o fim do JB.
    Antes de ser seu leitor, eu “filava” aqueles comprados por meu pai: Última Hora, O Jornal, Jornal dos Sports, Diário da Noite, Correio da Manhã, Diário Carioca…
    Junto com Monteiro Lobato e as Seleções Reader’s Digest, todos eles marcaram o meu batismo de leitor contumaz.
    Época em que existiam os matutinos e os vespertinos!
    Mas, gente, o tempo não para!
    A fila anda…
    Em “O Globo”, posso ler gente do calibre de Zuenir Ventura, João Ubaldo, Veríssimo, Roberto da Matta, Fernando Calazans, Martha Medeiros, Artur Xexéo, Arnaldo Bloch e tantos outros.
    Nossa cidade tem o “Afro Reggae”, surgido dos escombros de Vigário Geral. Tem balé na Rocinha. Tem o Teatro Municipal ressuscitado e cheirando a tinta. Tem a beleza do Aterro, que soubemos construir e que estamos preservando, apesar de tudo. Tem a velha Lapa, que, mudou tanto, para continuar exatamente como era antes… Tem a Zona Portuária, que ainda nos dará muito orgulho de ser carioca. Tem “Os Escravos da Mauá”, fantástico movimento de rua, com música brasileira de qualidade. Tem tanta coisa boa!
    Mais forte do que tudo, é a capacidade do carioca se reinventar e de continuar sendo feliz!

  9. Meus parabéns, também, pelo excelente texto; de certo que vem expressar o sentimento de muita gente em relação a este absurdo.
    Entretanto, não sei porque, mas acho que em breve alguém irá surgir para levantar de novo este jornal. Dúvido que este 14 de Julho seja o dia da sua despedida.Que pena que nas segundas feiras não poderei mais recortar a coluna “Rio Antigo” do Paulo Picini.

  10. Imprensa de papel está em decadência no mundo todo. Jornais centenários fecham toda semana nos EUA. Internet é cada vez muito mais importante pra informar do que esses monstrengos devoradores de árvores.

    1. Nada substitui o meio físico, em CD, em livro em jornal. Ainda compro CD´s, só filmes que baixo e vejo em mídias regraváveis ou pen-drive, pois me enjoam na segunda visualizada.

  11. O problema não é a decadência da imprensa de papel no Rio de Janeiro. É a decadência da imprensa. Não há alternativas. O JB já havia deixado de cumprir o seu papel há muito tempo. Triste.

  12. Bravo por levantar o tema da “morte” do JB e da decadência da imprensa escrita em geral. A história da degradação da imprensa, e não é só aqui no Brasil, confunde-se com a decrepitude da cultura: menos leitores exigentes, menos jornalistas com formação intelectual sólida, menos necessidade de dissecar o que se passa no mundo e menos interesse em considerar seriamente a política como um meio de aperfeiçoamento democrático, resultou neste quadro de superficialidades e de enganações.

  13. Só hoje depois da “morte anunciada” e confirmada do JB impresso, procurando no site do Paulo Pacini, a coluna RIO ANTIGO dele no JB… Era uma das melhores, eu corria atrás dela e fica feliz ao ver que ainda sobrevivia…
    Assinei o JB por mais de 30 anos, meus filhos aprenderam o que é e o que não é democracia em suas páginas… Assinei e recebi até o último exemplar, dia 31 de agosto. Eu já lia o jbonline também porque copiava textos e enviava a amigos… Creio eu que muitos leitores antigos do JB faziam e fazem isto ainda. Mas eu gostava do exemplar impresso porque eu podia levar pro quarto antes de dormir, podia levar prá onde fosse no domingo de manhã, podia levá-lo pra mesa e ler com mais atenção algum artigo, no qual eu já havia dado uma “espiadela”…
    Agora que acabou-se o JB, vou acompanhar as notícias só pela net… É o futuro, com o tempo a gente acostuma…
    Gostei do seu “Canto do Cisne”, mas a meu ver vc está muito pessimista com o nosso Rio… Sei que não é mais o mesmo que foi no nosso tempo, mas o mundo todo mudou, e mudou prá melhor em poucas coisas, prá pior em muitas… Levante a cabeça, saia e veja um dos recantos do Rio, a natureza ainda é igual… Não seja tão pessimista, isto faz mal a saude… Reveja as colunas do “RIO ANTIGO” que ainda tenha em casa, ou tire cópia para rever, e faça isto ao som de 1, 2 ou 3 DVDs do Tom Jobim… Eu fiz isto hoje, e o dia passou voando embora reste a saudade do JB impresso, o nosso jornal…

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