Duplicação do Túnel Novo – Projeto Definitivo 1941

Há quase ano atrás nos posts sobre o sistema de ligação Pasmado-Copacabana mencionamos na quarta parte que a história da ligação expressa não havia terminado, portanto hoje encerramos essa obra com o post sobre a duplicação do Túnel Novo, tal qual conhecemos hoje, bem como o alargamento agressivo das vias de acesso, tanto do lado de Botafogo como de Copacabana.
Em 1941, após os estudos que apreciamos já aqui foi aprovado pelo PA-PDF de número 3.748/41 praticamente todo o sistema viário que conhecemos hoje, exceto a Park-Way da praia de Botafogo e a Av. Princesa Isabel alargada como de fato foi.
 

Ficou decidido que ao invés de um grande túnel de 30 metros de largura seria mais interessante abrir uma nova galeria com 16 metros de largura, separada 20 metros da original, que também seria alargada, dos 10 metros de largura de 1904 para os mesmos 16 metros, tal obra acarretaria na demolição de um lado inteiro da antiga Rua do Túnel, na época batizada de Honório de Lemos, remanejamento do traçado da Av. Carlos Peixoto e interrupção dela durante toda obra, isso do lado de Botafogo. Do lado de Copacabana, seria necessário cortar a Praça Demétrio Ribeiro e demolir imóveis nela e da Rua Felipe Oliveira, quase todos comerciais e industriais.
A grande sorte da PDF que todos esses imóveis, mais de 30, pertenciam a apenas dois proprietários, a Santa Casa do lado de Botafogo e a Cia de Construções Civis (dona de quase toda Copacabana no séc. XIX) do outro lado. Esses dois proprietários rapidamente deram a imissão na posse à PDF antes mesmo dos valores da indenização serem acertados, o que facilitou o início das obras em 1941. Em novembro de 1941, menos de seis meses de assinado o contrato da obra e desapropriados os imóveis todo o lado de Botafogo já estava livre dos imóveis e em Copacabana os necessários para a instalação do canteiro já haviam sido desocupados e parcialmente demolidos ou modificados para servir para as obras, já que não eram residenciais.
Para a abertura as empreiteiras contratadas encomendaram dos EUA o estado da arte em equipamentos de perfuração de rocha, compressores, marteletes, sistemas de jato d’água sob pressão, escavadeiras por esteiras, estampadeiras enormes para dobrar perfis e vergalhões. Porém em dezembro um certo arquipélago foi atacado pelos japoneses e todos os equipamentos que não haviam sido embarcados ficaram retidos nos EUA. A solução emergencial foi complementar os equipamentos já existentes nas pedreiras da PDF, que foram desmontados e levados para o canteiro de obras, com o que de fato conseguiu chegar antes da entrada os EUA na Segunda Guerra.
Com isso a obra que se previa rápida começou a se arrastar, devidas as dificuldades, somente no final de maio de 42 que o lado de Copacabana, depois dos cortes na rocha teve sua primeira explosão, para aí se iniciar os trabalhos de embocadura.

Na foto vemos os fundos dos galpões que existiam na Praça Demétrio Ribeiro, na direita a boca do túnel de 1904, a Av. Salvador Correia isolada por altos tapumes o prédio que por muitos anos abrigou  a garagem de taxis, oficina e posto de gasolina do seu térreo

Do lado de Botafogo pelos extensos trabalhos de retificação das encostas do Morro de S. João, retirada de entulhos, construção de muros de arrimo tudo isso sem as máquinas encomendadas o trabalho se arrastou mais ainda. Outra dificuldade encontrada do lado de Botafogo foi a fragilidade do trecho do emboque, que provocou um corte profundo nas abas do Morro do Leme a fim de dar estabilidade a encosta, com isso o trabalho de perfuração pelo lado de Copacabana foi o maior contribuinte para a abertura da galeria.
Em outubro de 1942 uma tempestade provocou o escorregamento de grandes lascas de pedra, árvores e terra que soterraram a velha rua do Túnel e o próprio túnel que ficou totalmente bloqueado, nós inclusive já postamos fotos deste desabamento do túnel em 25 de agosto de 2010. Com isso todo o pessoal da obra, escavadeiras e caminhões foram desviados da função por  16 dias a fim de devolver a normalidade de tráfego ao túnel Novo.
Em 1943 não só a guerra mas como a nova legislação trabalhista provocaram pesados desequilíbrios no contrato de empreitada, e as obras, durante um período difícil de escassez de explosivos, combustíveis e peças de reposição das máquinas além do aumento dos salários e extras dos operários praticamente engatinhou por praticamente dois anos, somente com o  fim certo da Guerra na Europa que os trabalhos foram retomados com velocidade.

Com as grandes estampadeiras funcionando os perfis e vergalhões começaram a dar forma no túnel, vemos a boca de Botafogo e seu grande corte dentro da rocha.


 
Nessa outra imagem, por cima da nova abóboda vemos a nova Av. Lauro Sodré, ainda dentro do canteiro de obras, no topo do Morro de S. João os Hospitais S. Zacharias em primeiro plano e logo após o dos Estrangeiros, as muradas ainda não haviam sido construídas, bem como vemos com o túnel se propaga para fora do corte do morro, com a conclusão das obras a Av. Carlos Peixoto voltaria a chegar no topo da Ladeira do Leme, tendo ficada interrompida por mais de 10 anos.
Mas as obras de duplicação do túnel foram um programa ainda mais complexo que a simples frente de obras atacada junto as encostas, várias obras secundárias foram realizadas, começando pela troca de pavimentação da Ladeira do Leme, de paralelos e macadame para placas de concreto armado, pois  o velho caminho primal de acesso para Copacabana virou durante as obras via alternativa ao túnel.  Reconstrução dos troncos pluviais de Botafogo com fins de esgotar a água da chuva desse trecho do bairro e desviar a bacia hidrográfica original, primeiro uma grande galeria por baixo da Av. Venceslau Brás até as amuradas do Yatch Club, novas galerias de escoamento nas Ruas da Passagem, S. Clemente, Voluntários da Pátria, Visconde de Ouro Preto e Professor Alfredo Gomes, todos direcionados para a futura galeria de cintura do bairro. Em Copacabana novas galerias eram construídas na Rua Padre Antônio Vieira, nova rede da Av. Copacabana no trecho retificado entre o Lido e Rua Inhangá e  novas galerias nas avenidas Princesa Isabel e Prado Júnior.
Em 1946 finalmente o túnel foi entregue a  velha galeria aberta por Alexandre Wagner, Otto Simon e Edgard Duvivier em 1904 foi fechada para as obras de duplicação, os pórticos, bem como o trecho da Av. Carlos Peixoto só seriam construídos já perto do meio dos anos 50 com algumas modificações em relação o projeto original, como simplificação da decoração, e a retirada das sancas de iluminação noturna por tubos fluorescentes. Uma curiosidade é ler o memorial da obra e descobrir que a primeira galeria não foi revestida de cerâmica por pressa do Pres. Dutra de abrir o túnel como a lenda da cidade maldosamente conta, mas sim porque não foi pensada. A galeria Engenheiro Marques Porto foi a primeira dessa geração a ser feita, e a abóboda de cerâmica clara ainda não deveria ter sido cogitada como modo de aumentar a luminosidade dentro das galerias iluminadas pelos seus 250 pontos de iluminação ainda por lâmpadas incandescentes de 200W.

Vemos respectivamente as bocas de Botafogo e de Copacabana, ainda com a urbanização provisória, com as luminárias GE dependuradas em cabos de aço
Em breve com a inauguração do Túnel do Pasmado e a construção da Park Way o sistema estaria praticamente completo, faltando apenas a demorada novela da Av. Princesa Isabel além da esquina com a Rua Ministro Viveiros de Castro, que se arrastou praticamente até os anos 60.
 
As obras levaram a vida de 8 operários em momentos distintos em virtude de desabamentos e acidentes com os explosivos, e em lembrança dos heróis desconhecidos desta cidade que esse post é dedicado
 

8 comentários em “Duplicação do Túnel Novo – Projeto Definitivo 1941”

  1. Estupendo “post”. Obra impressionante.
    Belo trabalho de pesquisa de texto e fotos.
    “Foi um Rio que passou” é “hors-concours”.
    Vou divulgar.

  2. Uma obra trabalhosa para a época e de grande porte, quase tão grandiosa como o novo túnel da região oceânica de Niterói. Esse túnel inaugurado confirmou que Niterói é a melhor cidade do sudeste para se viver.

  3. Realmente o André demonstra conhecer de forma profunda as postagens que ele faz aqui.
    O interessante é ver de que uma obra de grande porte como essa, só teve 8 baixas de vida apenas.
    Infelizmente, não há uma obra pública no Brasil, em toda a sua História, que não tenha acontecido de forma turbulenta e com interesses escusos.
    Seria herança maldita do catolicismo empregado aqui, e daí se falar do termo “obra de igreja”?

  4. O que mais se nota nessa e em outras obras com a mesma magnitude é a solidez e a excelência. Materiais de qualidade, projetos e execução perfeitos e sobretudo seriedade em um todo. Por outro lado, obras como o túnel Marcelo Alencar e a Ciclovia Tim Maia demonstraram a qualidade da “obra” e seu cheiro. Certamente onde existe politica no Brasil o “cheiro será sempre forte” e a isso inclui os projetos viários.

  5. Falta agora a questão da mudança de lado dos trilhos de bonde e porque só ocuparam uma das galerias…

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