Nossa imagem de hoje do acervo do Globo mostra o arrazamento do Bairro da Misericórdia em suas movimentações finais, o desaparecimento dos velhos becos perto das abas restantes do Castelo por de trás da Expo de 1922.
A foto mostra uma área que hoje está em obras novamente, para a construção da Lámina 04 do TJ-RJ, mais um dos prédios de mármore marrom e vidros cor de bronze que pouco tem a ver com a história do local.
Pela posição e se orientando pelos velhos mapas dessa apertada região, estamos no que sobrava da esquina do Beco da Música com a Rua do Trem, continuação da Rua de D. Manoel e por onde os abandonados trilhos de bonde teimam em aguardar os carris que nunca mais passarão. Um pouco mais acima fica a Rua da Misericórida, já sem nenhum imóvel nesse trecho, com as fraldas restantes do Castelo escancaradas.
O velho Beco da Música era uma das ruas mais primais da cidade, tanto que era chamado de Beco da Porta da Cidade, pois traçado de forma espontânea entre a Praia da Piaçaba e o Castelo ia dar numa pequena posição fortificada, onde havia uma trincheira e um pesado arco de cantaria, com portão, que dava acesso a subida do Castelo e ao guindaste dos Jesuítas, que pouco depois ganharia seu acesso próprio. O arco já em ruínas sobreviveu até o séc XIX, tendo inclusive sido retratado em uma pintura que orna o plenário do Palácio Pedro Ernesto, ironicamente….
Ao fundo vemos em destaque o Ministério da Agricultura, uma das poucas laterais ainda neo-colonais do MHN virada para o Largo da Misericórida e o conjunto da Santa Casa, com destaque para o topo da Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso.
Vemos na esquerda, os fundos do Museu da Imagem e do Som, antigo pavilhão do Distrito Federal da Expo de 22 e mais um prédio, junto a nós, o qual especulo ser sobras do Pavilhão de Obras e Agricultura.
É impressionante como décadas de destruição, sem planejamento, pois o bairro foi varrido numa série de demolições alicerçadas em planos que nunca se concretizaram, de túnel subterrâneo para Niterói, passando por Perimetral nunca executada nessa área, prédio da Adm. Distrital e depois por simples frenesi demolitório até empurrarem o Forum para lá, que acabou de vez com o resto do tecido que agonizava, como vemos por esta foto, onde os últimos sobrados em vias como os Becos do Guindaste, Ferreiro e Rua Cotovelo finalmente caíam, muitos já em ruínas e as velhas vias simplesmente desapareceram por debaixo dos corredores do foro.
Possivelmente com a lâmina 04, o que sobrava do Rua do Trem, renomeada de Beco da Música desaparecerá também, só sobrando do tecido do velho bairro o Largo da Misericóridia, a Rua de D. Manoel, a Travessa do Paço e o antigo Beco da Torre, hoje Travessa da Natividade. E pedaços das velhas ruas, como a da Rua do Cotovelo, hoje Jacob do Bandolim.
Ultrapassamos ontem, dia 07 de Dezembro a marca de 300.000 acessos (contados desde Maio de 2008), em 21 de Julho estávamos com 200.000, e com a transferência dos arquivos do fotolog para o site tivemos um brutal aumento de acessos, o que demonstra o acerto de se concentrar tudo aqui com ferramentas que o precário fotolog não possuia.
Parabéns pelo sucesso do “site”. Está um primor, fácil de consultar, com fotografias em excelente resolução e com muita informação.
E, lendo “trilhos de bonde teimam em aguardar os carris que nunca mais passarão”, com um certo tom poético…
Parabéns Decourt! pela iniciativa, perseverança, forma e conteúdo. Nesse momento de transformação da cidade em que estamos entrando o seu trabalho é ainda mais fundamental. O Rio que Passou é uma referência para qualquer um que queira dar um mergulho mais profundo no Rio de Janeiro. Aqui, passado é presente!
Parabeens também aos frequentes comentaristas.
Parabéns pelo sucesso do site. Contudo, mais importante até que o sucesso do site é o seu excelente conteúdo.
Quanto ao Bairro da Misericórdia, posso estar enganado, mas devia ser muito mal frequentado. Se for este o caso, já foi tarde.
Nao foi tarde! A história de um país precisa ser preservada!
André,
Fico super feliz pelo número de acesso, espero q cresçar cada vez mais!
Sua dedicação em resgatar a história do rio é impressionante!
Vc além de ter uma paciência em vasculhar fotos raras é um conhecedor profundo do tecido urbano da cidade!
Vida longa ao rei! rsrs
abraços
Parabéns André. Acompanho essa trajetória faz uns anos. O site realmente é ótimo.
Sabe, desde que comecei a ter interesse pela evolução urbana da cidade e acabei achando o seu blog, confesso que na maior parte das vezes, além da nostalgia de paisagens que não conheci, fui acometido por um misto de melancolia e revolta, por saber que tantas escolhas estúpidas foam feitas ao longo dessa História. Perdemos muito em significado, pois a cidade administrativa, a cidade-vitrine, a cidade-resumo-do- Brasil, sempre foi e sempre será muito menor do que verdadeira cidade produção, cujas ruas têm uma alma encantadora e o prédios falam.
A mesma racionalidade hipócrita que atropelou a memória geográfica da cidade e demoliu um dinâmica própria, construída durante séculos, foi utilizada para justificar assassinatos em massa, estabelecer hierarquias raciais e naturalizar a dominação de um povo sobre outros.
Hoje não tenho mais raiva e procuro não lamentar, está feito. Ou melhor, continua sendo feito todos os dias.
Aplaudo, contudo, iniciativas como a sua André, que nos faz lembrar de como chegamos até aqui. Como já se disse um dia: HISTORIA MAGISTRA VITAE
Minha Pátria é o Rio de Janeiro
Falando em TJ-RJ, hoje no JB há uma nota sobre um procurador de justiça, que foi flagrado em seu gabinete, praticando um “ato secreto”.
Pobre Bairro da Misericórdia. É mais um cadaver insepulto.
Minha mãe nasceu no Beco da Música e depois foi para a Rua da Misericórdia, 53 ; onde aos dois anos de idade morei, era um sobrado que tinha uma tipografia no térreo e os quartos em cima eram alugados pelos meus avós calabreses, Vincenzo e Raffaela, (um exemplo do que se chamava de casa de comodos ou cabeça de porco) . Quando criança ouvia muitas histórias (dos 9 tios que lá nasceram e foram criados), que se referiam ao “53”, e engraçado pouco se falava na rua …Talvez fosse uma forma instintiva de não se referir ao que já não mais existia.
Estupendo registro, André.