Vemos nessa foto do fotógrafo Leuzinger datada de aproximadamente 1860/65 a região da rua Direita, hoje rua Primeiro de Março conhecida na época como Carceler.
A foto apesar de mostrar uma região bem fotografada possui uma ótima resolução permitindo apareciar uma série de pequenos detalhes.
Ao fundo vemos o morro do Castelo fechando o horizonte, a torre da igreja de São José e alinhado a ela vemos uma das famosas passagens elevadas que ligavam o Paço imperial, ao velho convento do Carmo e a Cadeia Velha, construídas para as autoridades, incialmente D. João e D. Maria, não terem que cruzar as ruas em direção aos anexos do Passo. Havia outra passagem sobre a rua do Cano, hoje 7 de Setembro que ligava o velho Convento à igreja do Carmo convertida em Capela Real e por muitos anos consagrada Catedral, mas essa era bem mais “moderna” em relação as outras, pois foi construída em 1856 quando a rua do Cano foi prolongada.
Logo depois vemos a igreja do Carmo, antiga catedral, que ainda não possuia sua torre nova, construída no início do sec. XX mas contava com um adro, aparenemente metálico que afastava bem as suas portas da rua, ao seu lado temos outra igreja da Ordem Terceira do Carmo, com suas duas grandes torres e frontão feito por mestre Valentim, que até hoje sobrevivem à poluição e ao vandalismo.
Na frente dessas, na esquina com a praça tínhamos o hotel De France, um dos melhores estabelecimentos da cidade, com afamado restaurante e que surpreendentemente sobreviveu até os anos 30 do sec. XX.
Atravessando novamente a rua Direita, após a igreja, escondido, temos o beco dos Barbeiros, parado no tempo com seus lajedos de cantaria no pavimento e calhas centrais para a colheta das águas pluviais.
Após ao escondido beco temos um conjunto edificado, que resiste até hoje com vários de seus sobrados praticamente intáctos, onde funcionaram estabelecimentos míticos como a confeiraria Carceller, confeitaria Francioni, o Cercle du Commerce, onde reza a lenda forma feitos os primeiros sorvetes dessas plagas em 1834, e por fim o famoso hotel e café Globo, pelo qual Luiz Edmundo destila ironias:
“O Globo Café e Restaurante…..Sala de loja vasta, funda, mostrando um tapete de oleado, com ramagens cobrindo-lhe todo o assoalho, por certo muito gretado e velho, mesas com tampo de mármore negro e guarnições murais do mesmo mármore,compondo a linha da decoração severa, sóbria e ainda não abastarda pelo delírio frívolo do Art-noveu.
Em 1901 o café decaiu, já não tem mais terrasse, nem tapete oleado, nem fama. É um botequim vulgar, onde os elegantes tomam, de costas para a rua, uma famosa média de café, leite e pão quente, um pão de família, enorme, valendo por um sólido almoço e custando apenas, três tostões.
No sobrado, o restaurante com sala para banquetes e um mundo de recordações !
-Era aqui que o Sr. Pedro II, moço, pela semana santa, após correr as igrejas, no dia da visitação tomava sempre o seu sorvete de cajú…………….Glórias passadas! Glórias vividas! E esquecidas!”
Na rua vemos um grande número de “gondolas”, veículos de passageiros que lembravam as diligências e ligavam bairros distantes, como o Engenho Velho e São Cristóvão, bem como o vale das Laranjeiras e Botafogo. Logo depois em 1880 foi instalada no largo uma linha de carris ainda puxados à burro.
Atravessando a rua novamente, temos um trecho que curiosamente por muitos anos concentrou um grande número de bóticas e farmácias, sendo sem dúvida a mais famosa a Casa Granado que surgiu nesse lado da velha rua Direita.
No final do sec. XIX num arroubo e grandiloquencia chamaram o local de “Boulevard Carceller” , onde novamente temos Luiz Edmundo a esculhambar:
“…um dia comicamente, mandou que se chamasse Boulevard Carceller e que mais lembrava, em meio à estrumeira e aos molambos da cidade semi-africana de então, uma rua larga de Dakar ou de Loanda, à qual nem faltavam os negros sujos e pelitrapos, todos muito espantados, vendo os políticos da monarquia, em tertúlias animadas e ao ar livre, numa terrasse (do então hotel Globo) de poucas mesas sobo o arvoredo chocho e empoeirado da calçada, a chupar, através de canudinhos de palha, refrescos de pitanga ou de limão.”
A confeitaria Carceller é mostrada com destaque na foto, era o 3 prédio após a igreja ao lado prédio com os grandes toldos, e um dos maiores da foto com uma faixa no seu coroamento onde estava escrito “Carceller & Scraoder”
Foto: Leuzinger
Coleção: Francisco Patrício
Comments (23)
Sensacional,Que foto!!! Levando em conta que é dos primórdios da fotografia,trata-se de uma reliquia muito bem conservada. É bom ver o berço do Rio nesta época atravez desta foto.
O sr poderia ter dado uma tratada no fotoxopi, não custa nada.
:-))
Já melhorei bem o contraste dela, estava bem esbanquiçada, mas o amarelado eu me recuso a tirar pois ela está assim no papel
Como diz sempre o Tumminelli, “tenho aqui esta foto”, mas a riqueza do texto é impressionante!
É inegável o valor de P.II para a formação da nacionalidade e manutenção íntegra do território do Brasil, mas urbanísticamente esta época deixava muito à desejar.. tinha aspecot quase medieval.
Os melhoramentos na cidade ficaram paralisados até a república.
“sob o arvoredo chocho e empoeirado da calçada, a chupar, através de canudinhos de palha, refrescos de pitanga ou de limão.”
…programa mais bêsta , sô!
aspecot = aspecto
André, só faltou dizer que o estabelecimento Carceler era de Schroeder.
E cadê sua legião de admiradores?
Será que se assustaram com o texto?
Parabens pela iniciativa Andre.
Se encontrar alguma foto antiga interessante lhe envio.
Voce tem foto da antiga praça Rui Barbosa, em frente a praça XV. Ela não existe mais?
Luiz acho que a turma é preguiçosa de ler tudo isso !!!
Ana que praça seria essa, a que ficava junto as barcas ??? Ou era a que tinha o chafariz monumental ???
André, vc só pode estar de sacanagem quando escreveu isto:
“A foto apesar de mostrar uma região bem fotografada possui uma ótima resolução permitindo apareciar uma série de pequenos detalhes.”
Eu li tudo. Não gosto de sorvete de caju. Adoro Luis Edmundo, tenho uma edição dele maravilhosa, grande, com gravuras. Os torreões da igreja estavam desabando. Grande parte das obras de prataria são roubadas ainda hoje, à luz do dia. Aliás, hoje roubaram em Petropolis dois retratos de Dom Pedro e Dona Tereza Cristina de um orquidário em Petropolis. Tudo se rouba por aqui, tudo se extravia, tudo desaba e se aniquila.
Mas eu, hoje em dia, só tenho medo da cara pavorosa do Ministro de Minas e Energia da Bolívia, que saiu dos piores pesadelos de Fred Kruger. Nunca vi tantos dentes… Aliás, dada a ferocidade dos ladrões daqui e dos Ministros de lá, nunca vi tantos dentes, de fato…
Zé Rodrigo, veja os detalhes no seu email
Lembrando que, aqui, os ladrões também são ministros e até… bem… até!
Lefla a minha edição é de 1957, a segunda, ganhei de presente do pai de um grande amigo e um apaixonado pelo Rio, como nós.
Andresíssimo,
belíssima foto; belíssimo texto.
Quase fui até a Primeiro de Março dar uma olhada in loco (ô lôco, meu).
Nada a crescentar; só olhar.
O Lefla tem dupla razão. A primeira é que rouba-se tudo neste país. Morro de rir quando vejo essas retrospectivas das copas que os canais esportivos passam sem parar — e, cá pra nós, é um saco ver pela pentolhésima vez a defesa do Banks e o corta luz no Mazurkiewski. São lances lindos mas, demais também é saco !
Como eu dizia, eu morro de rir vendo os jogadores em 70 carregando a taça Jules Rimet, que ficaria definitivamente no Brasil; caso uns ladrões pés de chinelo não a tivessem roubado da CBF nas barbas da segurança.
A segunda razão do Lefla é “o pior pesadelo de Fred Kruger” rararararararararara ! O cara realmente (foto da capa de hoje de O Globo) tem a boca parecida com um limpa trilhos de uma velha maria-fumaça; cruz-credo.
Mas é essa carantonha aí que vai assustar o Lula e o Gabrielli muito mais noites ainda. Aguardem.
“A partir de 1835, quando a nobreza passou a procurar São Cristóvão para moradia, acompanhando a família imperial, esta rua acolheu o melhor comércio da cidade. Entre outros melhoramentos, as casas receberam numeração em 1824, acabando com o hábito colonial de identificá-las pelo nome do morador”
A minha edição também é de 1957.
http://fotolog.terra.com.br/cartepostale
André, muito certa a sua decisão de deixar em tom sépia. Mas, mesmo assim, dá para sentir calor só de olhar a foto. Sol forte, quase a pino, com aquele “arvoredo chocho e empoeirado”, imagina o que era ficar dentro de uma daquelas gôndolas, indo para São Christóvam (mais quente ainda), cheio de gente. Com terno completo de casemira colarinho de pontas e, talvez, assentos de veludo. Haja sorvete de limão – com gelo cortado na Antártica.
Sobre este trecho, sempre quis levantar uma polêmica: quem foi que teve a idéia ridícula de colocar aquela torre mexicana na Catedral? Precisava?
http://www.flaviorio.globolog.com.br
André, peço licença para publicar um comentário que não tem nada a ver com a foto (embora isso, aqui, seja permitido, eu sei). Faço aqui como fiz no blog do nosso amigo Nelson.
A greve da ANVISA está colocando em risco a vida das pessoas que dependem de medicamentos importados. Diabéticos dependentes de insulina importada, de um tipo não fabricado no Brasil, estão tendo que ir ao médico modificar seu tratamento.
Isso é mais uma demonstração de uma coisa que, se no Governo Lulla não tem destaque algum, fosse em outro Governo cairia o Ministro da Saúde.
Portanto, de forma pragmática, nunca mais votarei num partido de esquerda, muito menos no PT. A esquerda não garante aos cidadãos a proteção que partidos conservadores dão. A esquerda pode tudo, não sofre pressões e, se sofre, não dá bola para elas. Ela tem a idéia geral de que é, em princípio, legítima, porque é esquerda. E dane-se o resto (ética, eficiência, administração, etc).
Esta foto é do tempo do Pai do Dr. Pintáfona.
André, excelente post ! Muita informação.
Tem em alta ?
:-))
André,
Já tinha ouvido falar das “passagens” que ligavam o Paço Imperial, ao Convento, mas nunca tinha visto fotos das mesmas… Eu achava que era uma passarela mais simples, tipo aquela que se vê na Rua Irineu Marinho, unindo os prédios do Jornal o Globo (se não me engano tem uma outra num dos prédios ali na transversal da Rua Rodrigues Alves); mas não, parece que está mais para o Arco do Teles… É isso mesmo?
belo trabalho
Olá André,
Post emocionante, uma viagem no tempo!
Impossível para quem ama esta cidade ficar indiferente!
Essas “passagens” citadas são um assunto que por si só merecem um post inteiro, mas infelizmente as fotos são raras… se é que existem!
Também já ouvi falar dessas “diligências”, tenho fotos de família onde algumas aparecem!
“Glórias passadas! Glórias vividas!
Mas não totalmente esquecidas!
Não aqui!”
Abraço!
Este post ainda está aberto? Alguém poderia me informar que livro é esse de Luiz Edmundo sobre o Rio? Leio sempre as obras de Machado de Assis e me interesso em conhecer os lugares citados por ele. Grata.