Em 2004 fizemos uma série sobre os episódios de Agosto de 1954, que culminaram com o suicídio do Getúlio Vargas: http://www.rioquepassou.com.br/2004/08/19/agosto-i/ até http://www.rioquepassou.com.br/2004/08/27/agosto-viii/.
Mas a situação política já estava instável já desde o início do ano quando em Fevereiro daquele ano um manifesto de setores do exército, apoiados pelo ministro do exército que criticavam greves e o custo de vida, causou tensão na sociedade.
Fora às instabilidades da caserna haviam denuncias, capitaneadas pela OAB, que a truculência do governo com seus opositores continuava igual aos tempos que o caudilho era ditador, inúmeros opositores continuavam sumindo ou levando surras misteriosas, sendo que no dia 12 de Maio o estopim para Agosto se não foi acesso ganhou uma boa dose de oxigênio.
Na noite do dia 12 o repórter Nestor Moreira do vespertino A Noite, saindo bêbado de uma festa no Drink’s Bar, pegou um táxi, ao chegar em sua residência discordou do preço da corrida e exigiu que o motorista seguisse com ele para o 2 Distrito Policial em Copacabana. Ao chegarem, lá foram recebidos pelo guarda civil Paulo Ribeiro Peixoto, vulgo Coice de Mula. Este ao perceber quem era o queixoso, opositor do governo em várias matérias no jornal, conduziu-o com truculência ao xadrez onde foi revistado não sem antes ter sua carteira tomada. Após a revista e ser liberado o repórter deu falta de mil cruzeiros, ao se queixar com Coice de Mula, foi derrubado ao chão e espancado a botinadas na vista do motorista e por outro guarda, que nada fizeram. Tendo sido então encaminhado ao Comissário de Polícia como um criminoso, na base da gravata, ao chegar no gabinete do mesmo reclamou com o comissário da violência sofrida. O comissário reconheceu o repórter e o liberou imediatamente, pagando do próprio bolso a diferença da corrida de táxi, mas nada fazendo em relação a agressão sofrida e contra o agressor.
Nestor Moreira conseguiu chegar em casa com fortes dores, e não resistindo à elas foi encaminhado ao hospital Miguel Couto, onde foi ouvido pelo repórter Edmar Morel, do jornal de situação Última Hora, que além de ser o primeiro a publicar a notícia iniciou uma série sobre os abusos policiais e as condições sub-humanas das carceragens, que causou uma grande onda de protestos contra os abusos do poder getulista.
Essa insatisfação ganhou força após a queda do Estado Novo, e no governo legalista de Vargas estava forte nas elites, mas longe do clamor popular. Mas no dia 22 de Maio Nestor Moreira falece em motivo do rompimento de vários órgãos internos causados pelas bobinadas de Coice de Mula. O falecimento do repórter explodiu uma onda de indignação popular, embora as providências governamentais fossem nulas.
No dia do enterro do repórter duzentas mil pessoas acompanharam o cortejo fúnebre e parte delas superlotou o cemitério, ficando grande parte nos portões, protestando. Homens de imprensa como Samuel Wainer e Carlos Lacerda, de lados opostos do front de apoio ao governo se encontraram, lançando farpas um contra o outro, quando o diretor do Última Hora em uma exclamação tornou popular o apelido de O Corvo para Lacerda.
Esses acontecimentos aparentemente foram apagados, esquecidos por notícias novas, até o dia do atentado da Rua Tonelero, quando gasolina foi lançada nas brasas do assassinato do Repórter Nestor Moreira e da violência contra os opositores do regime, sendo muito bem aproveitadas por Lacerda, que colocou a imprensa e o povo contra Vargas.
Na foto vemos o enterro do Repórter Nestor Moreira, noa dia 23 de maio de 1954, o cemitério me parece o do Catumbi, embora a foto num ângulo curioso não nos possa dar certeza absoluta, mas de pronto eliminamos os cemitérios do Caju e o São João Batista.
Comments (18)
André,
Este realmente parece ser o vale de Botafogo.. há que se pesquisar. Curioso.
Sensacional o texto e a informação, para mim inédita. Realmente a crise de 1954 se concentrou muito no atentado da Tonelero e no suicídio do Getulio. O resto parece ter ficado apagado na memória.
Aliás sempre que passo pela Tonelero, dou uma olhada para o prédio e tento imaginar a cena do atentado.
excelente post !
Ótimo post! No fundo da minha memória ainda me lembro deste fato.
O nome do reporter hoje é lembrado na Av. que liga a Av.pasteur à Praia de Botafogo
Violência + violência + violência!
A estupidez humana não tem limites.
Excelente resgate.
http://fotolog.terra.com.br/luizd
Excelente reportagem histórica e que infelizmente mostra até que ponto pode chegar a estupidez humana…
É impressionante o fato inicial de um período tão conturbado e importante ser apagado da história. Só o conhecia (se não me engano) do livro “Cidade Partida” de Zuenir Ventura.
Foto e texto muito bons! Agradecemos pela aula de história.
fatos que parecem se repetir a cada novo governo,
será que nunca vai mudar a situação do nosso país?
desde jah quero lhe dizer q este flog eh uma dadiva …
bjus
Grande registro da história que não é ensinado nas escolas. Dentro do foco alguém ouviu a entrevista da ex-vedete Virgínia Lane à Rádio Globo, onde ela afirma que Vargas foi assassinado. Escutem no link: http://globoradio.globo.com/RadioClick/Player/8/0,,KY641584-5937,00.html
Maravilha de texto, parabéns.
excelente andré, parabéns. Por falar na possibilidade de Vargar ter SIDO suicidado, vale lembrar que o original manuscrito da carta-testamento é diferente do “original” datilografado que foi veiculado para imprensa, ambos constam em arquivos,só não sei precisar quais. Por exemplo, a famosa passagem “saio da vida para entrar na história” seria uma interpolação. Me lembro de ter visto um artigo sobre isso, só não posso afirmar que a informação procede.
VARGAS, me desculpem
Vc tem foto antiga do Corpo de Bombeiros. Abraços…Seu trabalho é magnífico!!!!Marco
Lamento a dura realidade,mas a nossa politica nacional, estadual e municipal, nasceu com a cultura do clientelismo e das vantagens,onde os grupos se abastecem de capital atravez dos “Lobs” e manipulação das aprovaçoes no legislativo,tendo que usar da força de seus seguranças para intimidar os que reclamam por justiça.
Caro André,seu post toca em um dos antecedentes do suicídio de Vargas que deve ser visto na devida perspectiva da história, sem que se esqueça a brutalidade que os jornais da época mostraram. Só lembro qSe eu fosse jornalista naquele 1954, estranharia a presença, não do Lacerda, mas do general Alcides Etchegoyen, então presidente do Clube Militar, à frente do cortejo fúnebre do Nestor Moreira. O general, ex-chefe de Polícia, ali estaria para homenagear o repórter que tinha conhecido na cobertura diária de notícias policiais, pode-se argumentar. Mas prefiro a versão de antigos jornalistas que ouvi tempos depois em redações: o Nestor foi o primeiro
Caro André, além do Lacerda, que era pule de 10, também foi ao enterro do Nestor Moreira o general Alcides Etchegoyen, presidente do Clube Militar e ex-chefe de Polícia. Aí é outro caso, porque o prestígio do morto não chegava a tanto, não era um Tim Lopes. Admita-se que o Etchegoyen tenha conhecido o Nestor quando este fazia a cobertura policial para A Noite e ali estava para protestar contra a brutalidade da sua morte. Mas podemos dizer também, alimentando a teoria conspiratória da história, que o golpe estava armado e a oposição a Vargas buscou pimeiro no Nestor Moreira o cadáver que encontraria pouco depois no major Vaz.
O Gen. Alcides Etchegoyen foi ao enterro para marcar posição contra a arbitrariedade do Gov. Vargas, de quem foi sempre opositor.
ótimo registro!
e agora passo a saber quem era o Nestor Moreira, que só conhecia pelo nome da Avenida ! e nem tinha idéia de que seu nome está ligado ao do major vaz, de quem sempre me lembro quando passo pela Toneleros!
Muito bom o texto!
Isso encontra-se também na biografia de Samuel Wainer.
O enterro foi mesmo no S J Batista, segundo o jornal A Noite, no qual o jornalista trabalhava. O féretro saiu da sede do jornal na Praça Mauá e foi seguido por um cortejo de 40 mil pessoas até o cemitério.